Em peça sobre ódio, ator destrói melancia com a cabeça (e se machuca)

Por fabiana seragusa

O ator Eduardo Bordinhon já destruiu umas 30 melancias com a cabeça nesta temporada de “O que Você Realmente Está Fazendo É Esperar o Acidente Acontecer”. Umas cinco vezes doeram muito, diz ele. “E umas três me deixaram com a cara de um boxeador, mas estou aprendendo.”

Faltam só mais duas cabeçadas, já que a temporada termina neste sábado (16), na Oficina Cultural Oswald de Andrade, com entrada grátis. Na cena das melancias, que fecha a peça, todos os outros atores também destroem a fruta —cada um de forma diferente: com a bunda, com a mão, com o sapato.

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A peça é surpreendente. Sete atores ficam falando uma série de opiniões sobre assuntos polêmicos como aborto, homossexualidade, violência, política, com textos já ditos por famosos ou retirados das redes sociais ou do dia a dia.

Você acha graça de muitas partes, porque vários trechos são inusitados (como a “hora do beijo”, a dança), mas na maioria do tempo não sabe se ri ou chora. Ora você concorda com as posições, ora discorda das barbaridades ditas ali.

Irônico, o espetáculo zomba do ódio e do preconceito. Os atores encaram o público o tempo todo. É uma sucessão de frases chocantes. Falam sobre o absurdo da relação gay, que tem que matar bandido mesmo, citam Lula e Dilma. É um espelho da vida real, do que a gente ouve o tempo todo.

A Cia. de Teatro Acidental partiu da obra de “O Beijo no Asfalto”, de Nelson Rodrigues, para criar a peça. Detalhes da história são contados e comentados. Um outro destaque são as imagens exibidas em televisões no palco, vindas de câmeras de segurança (onde nada acontece) e de uma instalada no camarim —também são mostrados trechos de câmeras de segurança de Columbine, escola dos Estados Unidos onde houve um massacre em 1999.

Saiba mais sobre a peça


LEIA BATE-PAPO COM EDUARDO BORDINHON

A peça é enfática e irônica sobre diversos assuntos.
Uma pessoa preconceituosa odiaria a peça?
Acredito que a peça abarca, mesmo que de passagem, muitas ideias pré-concebidas e enraizadas em muitos de nós. Uma pessoa com muitos desses preconceitos talvez não odeie a peça, mas se sinta atingida por algumas falas, contemplada em outras e confusa ao fim do espetáculo.

O que o público costuma comentar depois da peça?
Grande parte do público parece ter uma sensação parecida com a nossa (ao menos com a minha) em relação ao que é colocado na peça. Muitos sentem que estamos em um período intenso de debates movidos pelo ódio e que não há uma solução instantânea, um caminho óbvio a ser seguido.

Há um certo mal-estar compartilhado no fim de tudo. Muita gente também pergunta a respeito das melancias, seus significados possíveis, o período da safra, quantas já usamos, se não nos machucamos, também querem saber a relação com as câmeras de segurança, de onde são as imagens etc.

Qual a frase mais perturbadora que você tem que dizer?

“A peça é recheada de falas horríveis costuradas por nós; algumas criadas, outras retiradas de “grandes pensadores”, comentários da internet ou coisas que pegamos em alguns debates. Acho que muito do que digo é terrível porque passa por camadas construídas em mim e que batem nos preconceitos que me foram ensinados e que muito luto para percebê-los e eliminá-los.

  • Pra mim, o trecho mais horrível é:

“E o prazer de ver um bandido filho duma puta sendo torturado? Foda-se, se preto, rico, pobre ou amarelo. Matou, tem que morrer, estuprou, tem que ser empalado, currado por um traveco. Matou uma criança, tem que ser torturado por meses; quebrar os ossos, furar os olhos, queimar a pele. Quem não quer ver um assassino, um pedófilo, um pederasta clamando pela vida enquanto toma umas marteladas na cara?”

Acredito que essa frase contém uma síntese do espírito de vingança que se pede que o Estado tenha com aqueles que são considerados a causa do “mal” de nossa sociedade.